14 de junho de 2009

Historias

Manolo era uma pessoa completamente c�tica. Para ele, todas as religi�es n�o passavam de "crendice", e Manolo n�o fazia a menor quest�o de esconder seu desprezo pelas pessoas que acreditavam em coisas esot�ricas e espirituais. Como todo bom italiano, Manolo era falante, fogoso e fanfarr�o. Defendia fervorosamente que ele era o detentor da verdade absoluta e que qualquer opini�o que n�o fosse a dele, deveria ser ignorada imediatamente (qualquer semelhan�a com o autor � mera coincid�ncia).

Certa noite, no "Bar do Seu Zequinha", Manolo e seus amigos entraram numa discuss�o s�ria.

Seria assunto para a noite inteira se Marilone, um dos amigos de Manolo, para dar fim �quela "briga", n�o desafiasse Manolo em uma aposta:

_Manolo!! Se o TUPI n�o subir para a segunda divis�o, voc� vai at� o Terreiro do Pai Tum� comigo assistir � uma sess�o de Umbanda!! Disse Marilone peremptoriamente.
_R�!! Cale-se patife!! � evidente que o TUPI subir�!! Seu cretino!! Voc� comer� tudo o que disse com as moelas de frango asquerosas que s�o servidas nesse Bar infecto!! Eu aceito o desafio!!
As outras pessoas que estavam na mesa, olharam assustadas para o italiano, que j� estava roxo de c�lera.

Dito e feito, o TUPI perdeu dois jogos em casa e um fora, ficando em �ltimo lugar no "quadrangular decisivo". Manolo perdera a aposta.

_Sim! Eu sou um homem de palavra. Eu irei com voc�. Falou o aborrecido Manolo.
_Mas voc� tem que me prometer que n�o ficar� rindo ou atrapalhar a sess�o. O Pai Tum� n�o gosta de falta de respeito dentro do seu Templo. Lembre-se que o termo "Terreiro" � errado, pois Terreiro � para a Macumba, mas j� virou costume o povo falar... Disse Marilone.
_Ah! Fala s�rio! Eu n�o prometo nada! Eu estou pouco me lixando se o tal macumbeiro gosta ou n�o de brincadeira! Pra mim esse neg�cio de pajelan�a � tudo uma grande palha�ada!!
_Pajelan�a n�o!!! Umbanda! Gritou Marilone.
_R�!! � tudo a mesma coisa!! Macumba, Pajelan�a, Voodu, Candombl�, Umbanda, Quimbanda, Quitanda...
Os dois foram discutindo at� o tal "Terreiro de Pai Tum�".

Como o leitor deve saber, existe um sincretismo religioso muito grande entre as religi�es afro-brasileiras. Pr�ticas da Uganda, Macumba, Candombl� e Quimbanda, se misturam com o catolicismo e Espiritismo aparentemente sem nenhum crit�rio, variando apenas de regi�o para regi�o. Portanto, n�o existe um dogma fixo para a realiza��o das giras, podendo apresentar grandes diferen�as de um Terreiro para outro.

Ao chegarem, os dois notaram uma aglomera��o de pessoas pr�ximas ao Terreiro.

A gira estava para come�ar.

_As giras ou sess�es de Umbanda s�o realizadas uma vez por semana, cultua-se esp�ritos de uma determinada falange havendo portanto quatro sess�es mensais. Falou Marilone ao incr�dulo amigo.
_Como � que �? Perguntou Manolo com um interesse que surpreendeu at� ele mesmo.
_Bem, � melhor voc� ver com os pr�prios olhos...

Nesse momento, a cerim�nia teve o seu in�cio. A sess�o come�ou com a defuma��o do Templo; m�diuns se colocaram defronte ao altar principal. De um lado os homens, do outro as mulheres. Abaixo das imagens, entre as quais a de Cristo, a da Virgem Maria e a de S�o Jorge (isso surpreendeu Manolo), se postaram ao babalorix� (Pai-de-Santo): o "Pai Tum�", e a ialorix� (M�e-de-Santo): Dona Dodora.

Efetuado o serm�o introdut�rio, come�ou a cerim�nia denominada bater cabe�as. Sempre cantando pontos (cantigas) em louvor aos orix�s, os m�diuns "tacavam" a cabe�a nos p�s do Pai Tum� e da M�e-de-Santo; estes, por seu turno, "tacavam" com a cabe�a nos p�s das imagens. Manolo quase teve uma acesso de riso, mas foi reprimido por Marilone.

_Fica quieto! Sen�o pode baixar um orix� em voc�!! Falou Marilone.
_R�! Duvido! Disse Manolo que estava achando aquilo uma grande besteira.

A seguir, ao som dos atabaques, os m�diuns come�aram a montar nos Cavalos-de-Santo (os fi�is que receberiam o orix�s ficavam de quatro). Manolo n�o concordou com que "montassem" nele, pois ele era apenas um visitante e n�o queria bolar para o santo. Os m�diuns traziam vestes muito brancas e guias ou colares caracter�sticos de seus orix�s: em caso de baixar um caboclo (esp�rito de �ndio), o m�dium trar� um cocar de penas e um charuto nos l�bios; se descer um preto velho (esp�rito de escravo), o fiel usar� chap�u de palha, cachimbo e bengala; se a entidade for Ex� ou sua forma feminina, Pomba-Gira, teremos cigarro ou charuto, capa preta e vermelha e uma garrafa de aguardente.

_O que acontece quando uma dessas entidades baixam? Manolo perguntou ao amigo.
_Psiu! Fala baixo! Come�am, a seguir, as consultas �s entidades. Versam sobre sa�de, dinheiro, trabalho, amor, essas coisas. A informa��o desejada � sempre complementada com a recomenda��o do uso de um banho de ervas, e da coloca��o de copos com �gua em v�rios lugares da casa do consulente, com o fito de ser afastado as mandingas ou mau olhado. Respondeu Marilone.
_E essa hist�ria de Encruzilhada? Para que serve?
_Hi....... N�o confunda as coisas! O Despacho de Ex� na Encruzilhada se chama pad�. Isso � coisa de Candombl�. L� se oferece ao homem das encruzilhadas na segunda-feira uma galinha preta aberta no meio, transformada em "caba�a sacramental", cheia de ingredientes diversos que atuam como oferenda. Pode-se oferecer tamb�m uma grande sexta com um bode ou animais diversos, bonecas de pano chamadas de vulto crivada de alfinetes (n�o � Vodu Haitiano), farofa de azeite-de-dend�, garrafa de cacha�a (aberta), charutos, velas vermelhas acesa, tiras de pano vermelho e moedas. S� se pode fazer em encruzilhadas macho (em forma de cruz) ou encruzilhadas f�meas (em forma de T), com exce��o das linhas de bonde ou trem, pois o ferro neutraliza o ato m�gico!!
_Porra!! Essa eu nem podia imaginar; Quanta besteira!!! Disse espantado Manolo.

Enquanto os atabaques faziam a festa, algo completamente inesperado aconteceu. Manolo come�ou a tremer, a balan�ar o corpo, a se contorcer pelo ch�o.

_Nossa Senhora! O abi� est� bolando para o santo disse um dos m�diuns ao ver o novato rolando no ch�o.
_Manolo!!! Voc� est� recebendo santo???? Perguntou Marilone.
_� Burro!!! � Burro!!! Gritou a congrega��o.

Burro � o nome dado ao possu�do quando incorporado por Ex�.

_Pior!! � POMBA-GIRA!!!! Gritou Marilone.

Um espanto tomou conta do Templo, j� que � de vontade dos dirigentes da Umbanda que Ex� seja suprimido das giras pois se trata de uma entidade muito travessa, que toma conta da cerim�nia e fecha o altar dos orix�s brancos. Quando a Pomba-Gira aparece, a cerim�nia vira um pandem�nio. Vale avisar que somente o Ex� batizado baixa em Terreiro de Umbanda, os pag�os ou maus s� aparecem nas Quimbandas ou Macumbas.

Manolo gritava e dan�ava quando come�ou a tirar a roupa com o ritmo dos atabaques. O Pai Tum� se levantou e se aproximou da Pomba-Gira.

_� compadre!! O qu� que vosmic� quer pra voltar? Perguntou o Pai Tum� procurando tirar o doutor do corpo do abi�.
_Sai fora meu chapa!! Eu n�o quero voltar!! Gritou aquele que a pouco era Manolo, amigo de Marilone.
_Oxal� voc� se canse e v� embora!! Gritou o Pai Tum�.
_Eu quero um crioulo bem gostoso!! Um crioulo bem forte e sacudo!! Eu quero tamb�m um bode preto e uma garrafa de pinga!!! Gritou a Pomba-Gira.

A congrega��o ficou desesperada pois eles j� esperavam por isso. Marilone ficou preocupado com Manolo, pois teve medo que o Pai Tum� quisesse que Manolo virasse para o santo, ou seja, ficar preso na criadeira com os cabelos completamente raspados.

_Pega o bode e a pinga! Isso s� pode ser mandinga de Macumbeiro! Gritou o Pai Tum� para um dos pequenos cambonos (filhos-de-santo) enquanto pegava alguns ramos de arruda no altar principal.
_R�! Seu velho preto duma figa!! Eu s� volto quando quero!!! Sou Ex�, filho de Ogum!!
_Cala boca seu caboclo velho! Gritou a m�e-de-santo!

Enquanto os fi�is faziam uma roda em torno da Pomba-Gira que n�o parava de dan�ar, os atabaques entravam em ritmo alucinante. O Pai Tum� temia perder o controle pois parte dos m�diuns j� acompanhavam a dan�a da entidade. Uma arrua�a tomou conta do Templo. Os pontos cantados, as batucadase a dan�a envolviam o recinto como uma onda de misticismo caracter�sticos das sess�es dos orix�s. O Pai Tum� sinalizou para Marilone que corresse em dire��o � porta lateral do Templo e pegasse o copo de "�gua benta das almas" para jogar em Manolo, ou melhor, na Pomba-Gira. No momento em que a congrega��o inteira dan�ava em torno de Ex�, dois filhos-de-santo seguraram a Pomba-Gira enquanto o Pai Tum� come�ou a lavar o possu�do com as ervas, Marilone ent�o o molhou com a �gua. A Pomba-Gira parou e caiu no ch�o quando viu o bode e a cacha�a na m�o do menino que entrara correndo no Terreiro. Um sil�ncio sepulcral reinou no Templo, os atabaques se calaram e a congrega��o ficou im�vel. Manolo come�ou a se levantar tonto e sem entender o que havia acontecido.

_Qu� porra � essa?! O que esses mal acabados fizeram comigo?! Perguntou ao amigo quando viu que estava exausto, molhado e cheio de ramos de arruda no corpo.
_Voc� foi tomado por Ex�! Uma Pomba-Gira baixou em voc�! Gritou Marilone.

Manolo nem teve tempo de absorver o que ouvira, pois uma sirene e luzes vermelhas anunciavam que a Pol�cia estava chegando. Foi uma correria para todos os lados, todos que estavam no Terreiro sa�ram pelo quintal pulando os muros e se embrenhando no matagal. Marilone, que j� estava acostumado de correr da Pol�cia, pegou Manolo pelo bra�o e o arrastou pelo matagal. A Pol�cia assim que entrou no Terreiro encontraram apenas um bode pr


eto comend

o ervas de arruda.
Com certeza, algum vizinho sem respeito pela religi�o alheia confundira uma cerim�nia religiosa com uma briga... santa ignor�ncia...

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